*Postagem  original em 31/03/2011.
Tem-se a impressão, às vezes, de que o cinema só se  interessa pela parte ruim do Brasil. Os filmes brasileiros mais vistos  ou premiados (ou os dois) normalmente tratam de problemas seriíssimos do  nosso país. Se olharmos apenas para a última década, por exemplo,  veremos que a tragédia do povo brasileiro é a matéria-prima para grandes  filmes, como Abril Despedaçado, Cidade de Deus, O Céu de Suely, Tropa de Elite. Já o documentário Lixo Extraordinário,  de Lucy Walker, apresenta essa característica de uma maneira diferente,  pois pretende mostrar que da miséria pode surgir beleza.
É bom lembrar que a produção é anglo-brasileira e que o título original do filme, em inglês, é Waste Land,  algo como Terra do Desperdício, o que sugere certa negatividade se  compararmos ao título em português. É bom lembrar também que a produção  foi indicada ao Oscar na categoria de melhor documentário, mas como um  filme inglês, e não brasileiro ou sequer anglo-brasileiro – embora a O2  Filmes, produtora da qual Fernando Meireles (de Cidade de Deus) é um dos diretores, seja co-produtora.
Mas,  deixando de lado essas questões, o resultado é uma grande obra, pois  cumpre seu papel conscientizador ao mesmo tempo em que apresenta o  processo criativo de Vik Muniz, um grande artista plástico brasileiro.  Radicado em Nova Iorque, ele decide produzir novas obras a partir de  materiais recolhidos pelos catadores do maior aterro sanitário da  América Latina, o Jardim Gramacho, localizado no Rio de Janeiro, mais  precisamente na cidade de Duque de Caxias. A partir dessa idéia, ele  entrevista os catadores e escolhe alguns para servirem de modelo para as  novas obras. Ao longo desse processo, é contado um pouco da vida de  cada uma dessas pessoas que sobrevivem do lixo que recolhem.
Além  da montagem das obras, tem destaque o tema da sustentabilidade. Segundo  estatística apresentada por um dos catadores, metade do material que  chega ao aterro poderia ser reaproveitado, o que equivaleria ao lixo  produzido por uma cidade de 400 mil habitantes, por exemplo Macapá. É  também apresentada a condição de vida de alguns dos personagens das  obras, que não são nada saudáveis. Muitos vivem em sub-moradias e  apresentam histórias de vida assustadoras para nós, produtores do lixo  que os sustenta. 
É  talvez nesse momento o ponto fraco do filme, pois apela para uma emoção  exagerada, sentimentalizando uma obra que, por definição, deveria ser  impessoal, pois tem a função de informar. Além disso, há algumas cenas  dramatizadas – como quando Vik Muniz aparece inquieto depois de realizar  a obra – e diálogos que soam forçados – principalmente entre o artista e  sua esposa.
Nada  disso, porém, macula de forma definitiva esta grande produção – que é  conduzida por uma excelente trilha sonora executada pelo cantor e DJ  Moby –, pois nos alerta para um problema tão sério como o do lixo  produzido pelo consumismo desenfreado de nossa sociedade; e nos encanta  com obras de arte produzidas a partir desse mesmo lixo, mostrando que o  Brasil também pode mostrar algo de bom no cinema, mesmo que seja a  partir da miséria de seu povo.
Filipe Teixeira
 

 
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