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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Lixo Extraordinário

*Postagem original em 31/03/2011.

Tem-se a impressão, às vezes, de que o cinema só se interessa pela parte ruim do Brasil. Os filmes brasileiros mais vistos ou premiados (ou os dois) normalmente tratam de problemas seriíssimos do nosso país. Se olharmos apenas para a última década, por exemplo, veremos que a tragédia do povo brasileiro é a matéria-prima para grandes filmes, como Abril Despedaçado, Cidade de Deus, O Céu de Suely, Tropa de Elite. Já o documentário Lixo Extraordinário, de Lucy Walker, apresenta essa característica de uma maneira diferente, pois pretende mostrar que da miséria pode surgir beleza.

É bom lembrar que a produção é anglo-brasileira e que o título original do filme, em inglês, é Waste Land, algo como Terra do Desperdício, o que sugere certa negatividade se compararmos ao título em português. É bom lembrar também que a produção foi indicada ao Oscar na categoria de melhor documentário, mas como um filme inglês, e não brasileiro ou sequer anglo-brasileiro – embora a O2 Filmes, produtora da qual Fernando Meireles (de Cidade de Deus) é um dos diretores, seja co-produtora.

Mas, deixando de lado essas questões, o resultado é uma grande obra, pois cumpre seu papel conscientizador ao mesmo tempo em que apresenta o processo criativo de Vik Muniz, um grande artista plástico brasileiro. Radicado em Nova Iorque, ele decide produzir novas obras a partir de materiais recolhidos pelos catadores do maior aterro sanitário da América Latina, o Jardim Gramacho, localizado no Rio de Janeiro, mais precisamente na cidade de Duque de Caxias. A partir dessa idéia, ele entrevista os catadores e escolhe alguns para servirem de modelo para as novas obras. Ao longo desse processo, é contado um pouco da vida de cada uma dessas pessoas que sobrevivem do lixo que recolhem.

Além da montagem das obras, tem destaque o tema da sustentabilidade. Segundo estatística apresentada por um dos catadores, metade do material que chega ao aterro poderia ser reaproveitado, o que equivaleria ao lixo produzido por uma cidade de 400 mil habitantes, por exemplo Macapá. É também apresentada a condição de vida de alguns dos personagens das obras, que não são nada saudáveis. Muitos vivem em sub-moradias e apresentam histórias de vida assustadoras para nós, produtores do lixo que os sustenta.

É talvez nesse momento o ponto fraco do filme, pois apela para uma emoção exagerada, sentimentalizando uma obra que, por definição, deveria ser impessoal, pois tem a função de informar. Além disso, há algumas cenas dramatizadas – como quando Vik Muniz aparece inquieto depois de realizar a obra – e diálogos que soam forçados – principalmente entre o artista e sua esposa.

Nada disso, porém, macula de forma definitiva esta grande produção – que é conduzida por uma excelente trilha sonora executada pelo cantor e DJ Moby –, pois nos alerta para um problema tão sério como o do lixo produzido pelo consumismo desenfreado de nossa sociedade; e nos encanta com obras de arte produzidas a partir desse mesmo lixo, mostrando que o Brasil também pode mostrar algo de bom no cinema, mesmo que seja a partir da miséria de seu povo.

Filipe Teixeira

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O Discurso do Rei

Postagem original em 24/02/2011. Atualizações abaixo do texto.


Indicado ao Oscar 2011 em 12 categorias e grande favorito a levar os principais prêmios, O discurso do Rei é um filme impecável. Tem todas as características de um grande filme: roteiro bem montado, direção precisa, atuações seguras, fotografia e figurino limpos etc. É um filme que não pede ao espectador para olhar no relógio quanto tempo falta para acabar a sessão. Não porque empolga pela ação, mas porque não causa enfado com diálogos longos nem com paradas para explorar a trilha sonora – que é bem discreta, mas de qualidade.

A despeito da qualidade cinematográfica, alguns historiadores reclamaram que o filme não retrata de maneira fiel a história, mas estamos aqui para falar da qualidade da obra de arte, não da sua fidelidade à  história real – embora esse tipo de crítica seja recorrente quando se trata de filmes baseados em fatos reais ou em obras literárias.

Filmes sobre a realeza britânica, volta e meia, aparecem – e aparecem bem –, como os recentes A Rainha e Elizabeth – A era de ouro. O monarca escolhido desta vez foi George VI, pai de Elizabeth II (vivida em A Rainha pela premiada Helen Mirren), a atual rainha da Inglaterra. Tentando curar seu problema de gagueira, o ainda príncipe Albert (Colin Firth) – Bertie para a família –, segundo na linha de sucessão ao trono, procura a ajuda de Lionel Logue (Geoffrey Rush), uma espécie de fonoaudiólogo da época. O príncipe Albert, primeiramente, desconfia dos métodos nada ortodoxos de Lionel, mas quando seu irmão, Eduardo VIII (Guy Pearce), abdica do trono para casar-se com uma americana divorciada, não resta alternativa ao príncipe senão confiar em Lionel, pois cabe a Albert assumir o trono da Inglaterra. E um rei precisa fazer discursos.

Muitos são os eventos que se sucedem durante as quase duas horas de projeção, mas a montagem linear e as legendas para situar o espectador no tempo e no espaço não deixam lacunas a respeito do encadeamento desses eventos, que desembocam na prova de fogo do agora Rei George VI: o primeiro discurso como monarca britânico em pleno início da Segunda Guerra Mundial.

Quando Colin Firth e Geoffrey Rush contracenam, temos as melhores sequências, tanto nas cenas mais dramáticas quanto nas mais cômicas. Guy Pearce, que escolhe seus papéis a dedo, e Helena Bonham Carter, a versátil e inesquecível Marla Singer de Clube da Luta, completam o elenco principal, ao redor do qual a história é conduzida.

A fotografia e o figurino mostram uma Londres nublada e opaca por uma densa neblina, talvez numa referência aos tempos sombrios de guerra que viriam. Tudo parece estar úmido e triste, dando o tom da tensão vivida pelo futuro rei.

E se há um problema em O discurso do Rei é a forma nada original como a história é contada. Como foi dito acima, tudo indica que receberá os Oscar de melhor filme e o de melhor diretor (Tom Hooper), pois, reitero, é um filme impecável, mas só o é justamente porque não corre o risco de ser inesquecível. Está tudo no lugar, e da maneira como normalmente encontramos, como em Uma mente brilhante, O paciente inglês, Coração valente, filmes que não coincidentemente levaram o maior prêmio da Academia.

Filipe Teixeira

Como esperado, O Discurso do Rei ganhou o Oscar de Melhor Filme. Venceu também nas categorias de Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Ator, para Colin Firth.

Filipe Teixeira é escritor do blog Zinemateca e leitor do @redecinefilia. Você leitor também pode enviar seu texto para o nosso e-mail. Nós postaremos aqui no blog.